domingo, 4 de setembro de 2011

O poder e o Estado


As teorias sociológicas clássicas sobre o Estado

                Marx, Durkheim e Weber, os três autores clássicos da Sociologia, tiveram, cada um a seu modo, uma vida politica intensa e fizeram reflexões importantes sobre o Estado e a democracia de seu tempo. Vamos ver o que pensavam sobre esses temas.
       Karl Marx. Tendo escrito sobre as questões que envolvem o Estado num período em que o capitalismo ainda estava em formação, Marx não formulou uma teoria especifica sobre o Estado e o poder. Num primeiro momento, ele se aproximou da concepção anarquista, definindo o Estado como uma entidade abstrata, em contradição com a sociedade. Seria uma comunidade ilusória, que procuraria economicamente a sociedade.
                       No livro A ideologia alemã, escrito em 1847 em parceria com Friedrich Engels, Marx identificou a divisão do trabalho e a propriedade privada, geradoras das classes sociais, como a base do surgimento do Estado, que seria a expressão jurídico-politica da sociedade burguesa. A organização estatal apenas garantiria as condições gerais da produção capitalista, não interferindo nas relações econômicas. Em 1848, no manifesto comunista, Marx e Engels afirmaram que os dirigentes do Estado moderno funcionavam como um comitê executivo da classe dominante (burguesia).
                     Nos livros escritos entre 1848 e 1852, As Lutas de classe na França e O dezoito Brumário de Luís Bonaparte, analisando uma situação histórica especifica, Marx declara que o Estado nasceu para refrear os antagonismos de classe, e por isso, é o Estado nasceu para refrear os antagonismos de classe, e, por isso, é o Estado da classe dominante. Mas existem movimentos em que a luta de classes é equilibrada e o Estado se apresenta com independência entre as classes em conflito, como se fosse um mediador.
                     Analisando a burocracia estatal, Marx afirma que o Estado pode estar acima da luta de classes, separado da sociedade, como se fosse autônomo. É nesse sentido que pode haver um poder que não seja exercido diretamente pela burguesia. Mesmo dessa forma, o Estado continua criando as condições necessárias para o desenvolvimento das relações capitalistas, principalmente o trabalho assalariado e a propriedade privada.
     No livro A guerra civil na França, escrito em 1871, Marx analisa a Comuna de Paris e volta a olhar a questão do Estado de uma perspectiva que se aproxima da anarquista. O desaparecimento do Estado seria resultante da transferência do poder para a federação de associações dos trabalhadores.
   Para Karl Marx o Estado é, portanto, uma organização cujos interesses são os da classe dominante na sociedade capitalista: a burguesia.
Émile Durkheim.  Ao analisar a questão da politica e do Estado, Durkheim teve como referencia fundamental a sociedade francesa de seu tempo. Como sempre esteve preocupado com a coesão social, inseriu-a de forma clara na questão. Para ele, o Estado é fundamental numa sociedade que fica cada dia maior e mais complexa, devendo estar acima das organizações comunitárias.
                Durkheim dizia que o Estado “concertava e expressava a vida social”. Sua função seria eminentemente moral, pois ele deveria realizar e organizar o ideário do individuo e assegurar-lhe pleno desenvolvimento. E isso se faria por meio da educação publica voltada para uma formação moral sem fins conceituais ou religiosos. De acordo com o filosofo, o Estado não é antagônico ao individuo. Foi o Estado que emancipou o individuo do controle despótico e imediato dos grupos secundários, como a família, a Igreja e as corporações profissionais, dando-lhe um espaço mais amplo para o desenvolvimento de sua liberdade.
                Para Durkheim, na relação entre o Estado e os indivíduos, é importante saber como os governantes se comunicam com os cidadãos, para que estes acompanhem as ações do governo. A intermediação deve ser feita por canais como os jornais e a educação cívica ou pelos órgãos secundários que estabelecem a pote entre governantes e governados, principalmente os grupos profissionais organizados, que são à base da representação politica e da organização social.
                Quando se refere aos sistemas eleitorais, Durkheim critica os aspectos numéricos do que se entende por democracia. Tomando como exemplo as eleições de 1893 na França, declara que havia no país, naquele ano, 38 milhões de habitantes. Tirando as mulheres, as crianças, os adolescentes, todos os que eram impedidos de votar por alguma razão, apenas 10 milhões eram eleitores. Desses 10 milhões, foram votar em torno de 7 milhões. Os deputados eleitos, ou seja, os vencedores das eleições somaram 4 492 000 de votos e os que não venceram tiveram 5 940 000, número superior ao dos vencedores.  Conclui Durkheim: “[...] se nos ativermos às considerações numéricas, será preciso dizer que nunca houve a democracia”.
                Para Durkheim, portanto, o Estado é uma organização com um conteúdo inerente, ou seja, os interesses coletivos.


                Max Weber. Cinquenta anos depois da publicação do Manifesto comunista, por Marx e Engels, num momento em que o capitalismo estava mais desenvolvido e burocratizado, Weber escreveu sobre as questões do poder de da politica. Questionava: como será possível o individuo manter sua independência diante dessa total burocratização na vida? Esse foi o tema central da Sociologia politica weberiana.
                Se Durkheim tinha como foca a sociedade francesa, Weber manifestava uma preocupação especifica com a estrutura politica alemã, mas levava em conta também o sistema politico dos Estados Unidos e da Inglaterra. Além disso, estava atento ao que acontecia na Rússia, principalmente após a revolução de 1905.
                Para ele, na Alemanha unificada por Otto Von Bismarck, o Estado era fundamentado nos seguintes setores da sociedade: o Exército, os junkers (grandes proprietários de terrar), os grandes industriais e a elite do serviço publico (alta burocracia). Em 1917, escrevendo sobre o Bismarck, dizia que este havia deixado uma nação sem educação e sem vontade politica, acostumada a aceitar que o grande líder decidisse por ela.
                Ao analisar o Estado alemão, Weber afirma que o verdadeiro poder estatal está nas mãos da burocracia militar e civil. Portanto, para ele, o “Estado é uma relação de homens dominando homens” mediante, a violência considerada legitima, e uma “associação compulsória que organiza a dominação”. Para que essa relação exista, é necessário que os dominados obedeçam à autoridade dos que detêm o poder. Mas o que legitima esse domínio?  Para Weber há três formas de dominação legitima: a tradicional, a carismática e a legal.
                A dominação tradicional é legitima pelos costumes, normas e valores tradicionais e pela “orientação habitual para o conformismo”. É exercida pelo patriarca ou pelos príncipes patrimoniais.
                A dominação carismática esta fundada na autoridade do carisma pessoas (o “dom da graça”), da confiança na revelação, do heroísmo ou de qualquer qualidade de liderança individual. É exercida pelos profetas das religiões, lideres militares, heróis revolucionários e lideres de um partido.
                A dominação legal é legitimada pela legalidade que decorre de um estatuto, da competência funcional e de regras racionalmente criadas. Está presente no comportamento dos “servidores do Estado”.
                Para Max Weber, portanto, o Estado é uma organização sem conteúdo inerente; apenas mais uma das muitas organizações burocratas da sociedade.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O trabalho na sociedade moderna capitalista.




            Como já vimos a crescente divisão do trabalho é uma das características das sociedades modernas. Os autores clássicos Émile Durkheim e Karl Marx, já conhecidos nossos, tem visões diferentes sobre essa questão, e o pensamento de ambos marca perspectivas de analise diversas ainda hoje. Assim, é importante conhecer essas duas visões para entender melhor a questão do trabalho na vida social moderna.
Karl Marx e a divisão social do trabalho


            Para Karl Marx, a divisão social do trabalho é realizada no processo de desenvolvimento das sociedades. Ele quer dizer que, conforme buscamos atender a nossas necessidades. Estabelecemos relações de trabalho e maneiras de dividir as atividades. Por exemplo: nas sociedades tribais, a divisão era feita com base nos critérios de sexo e idade; quando a agricultura e o pastoreio começaram a ser praticados, as funções se dividiram entre quem plantava, quem cuidava dos animais e quem caçava ou pescava.
            Com a formação das cidades, houve uma divisão entre o trabalho rural (agricultura) e o trabalho urbano (comércio e indústria). O desenvolvimento da produção e seus excedentes deram lugar a uma nova divisão entre quem administrava – o diretor ou gerente – e quem executava – o operário. Aí está a semente da divisão em classes, que existe em todas as sociedades gera a divisão de classes.
            Com o surgimento das fabricas, apareceu também o proprietário das máquinas. A mecanização revolucionou o modo de produzir mercadorias, mas também colocou o trabalhador debaixo de suas ordens. Ele começou a servir à maquina, pois o trabalho passou a ser feito somente com ela. E não era preciso ter muitos conhecimentos; bastava saber operá-la. Sendo um operador de máquinas eficiente, o trabalhador seria bom e produtivo.
            Subordinado à máquina e ao proprietário dela, o trabalhador só tem, segundo Marx, sua força de trabalho para vender, mas, se não vende-la, o empresário também não terá quem opere as máquinas. É o que Marx chama de relação entre proprietários de mercadorias, mediante a compra e venda da força de trabalho.
            Vejamos com isso acontece. Ao assinar o contrato, o trabalhador aceita trabalhar, por exemplo, oito horas diárias, ou quarenta horas semanais, por determinado salário. O capitalista passa, a partir daí, a ter o direito de utilizar essa força de trabalho no interior da fábrica. O que ocorre, na realidade, é que o trabalhador, em quatro ou cinco horas de trabalho diárias, por exemplo, já produz o referente ao valor de seu salário total; as horas restantes são apropriadas pelo capitalista. Isso significa que, diariamente, o empregado trabalha três a quatro horas para o dono da empresa, sem receber pelo menos o que produz. O que se produz nessas horas a mais é o que Marx chama de mais – valia.
            As horas trabalhadas e não pagas, acumuladas e reaplicadas no processo produtivo, vão fazer com que o capitalista enriqueça rapidamente. E assim, todos os dias, isso acontece nos mais variados pontos do mundo: uma parcela significativa do valor-trabalho produzido pelos trabalhadores é apropriada pelos capitalistas. Esse processo chama-se acumulação de capital.
            No processo de extração de mais-valia, os capitalistas utilizam duas estratégias: aumentam o número de horas trabalhadas contratando mais trabalhadores ou ampliando as horas de trabalho, gerando a mais – valia absoluta; introduzem diversas tecnologias e equipamentos visando aumentas a produção com o mesmo número de trabalhadores (ou até menos), elevando a produtividade do trabalho, mas mantendo o mesmo salário gerando assim a mais – valia relativa.
            Os conflitos entre os capitalistas e os operários aparecem a partir do momento em que estes percebem que trabalham muito e estão cada dia mais miseráveis. Assim, vários tipos de enfrentamento ocorreram ao longo do desenvolvimento do capitalismo, desde o movimento dos destruidores de maquinas no inicio do século XIX (ludismo) até as greves registradas durante todo o século XX (voltaremos a esse assunto na unidade 3).




Émile Durkheim e a coesão social

Émile Durkheim analisa as relações de trabalho na sociedade moderna de forma diferente da de Marx. Em seu livro Da divisão do trabalho social, escrito no final do século XIX, procura demonstrar que a crescente especialização do trabalho promovida pela produção industrial moderna trouxe uma forma superior de solidariedade, e não de conflito.
            Para Durkheim, há duas formas de solidariedade: a mecânica e a orgânica. A solidariedade mecânica é mais comum nas sociedades menos complexas, nas quais cada um sabe fazer quase todas as coisas de que necessitam para viver. Nesse caso, o que une as pessoas não é o fato de uma depender do trabalho da outra, mas a aceitação de um conjunto de crenças, tradições e costumes comuns.
            Já a solidariedade orgânica é fruto da diversidade entre os indivíduos, e não da identidade das crenças e das ações. O que os une é a interdependência das funções sociais, ou seja, a necessidade que uma pessoa tem da outra, em virtude da divisão do trabalho social existente na sociedade. É o que exemplificamos no capítulo anterior descrevendo o trabalho e os trabalhadores envolvidos a produção do pão.
            Com base nessa visão, na sociedade moderna, a coesão social seria dada pela divisão crescente do trabalho, E isso é fácil d observar em nosso cotidiano. Tomamos um ônibus que tem motorista e cobrador, compramos alimentos e roupas que são produzidos por outros trabalhadores. Também podemos ir ao posto de saúde, ao dentista, ao medico ou a farmácia quando temos algum problema de saúde e lá encontramos outras tantas pessoas que trabalham para resolver essas questões. Enfim, poderíamos citar uma quantidade enorme de situações que nos fazem dependentes de outras pessoas. Durkheim afirma que a interdependência provocada pela crescente divisão cria solidariedade, pois faz a sociedade funcionar e lhe dá coesão.
            Segundo esse autor, toda a ebulição no final do século XIX, resultante da relação entre o capital e o trabalho, não passava de uma questão moral. O que fez surgir tantos conflitos foi a falta de instituições e normas integradoras (anomia) que permitissem que a solidariedade dos diversos setores da sociedade, nascida da divisão do trabalho, se expressasse e, assim, pusesse fim aos conflitos. Para Durkheim, se a divisão do trabalho não produz a solidariedade, é porque as relações entre os diversos setores da sociedade não são regulamentadas pelas instituições existentes.